Apontado como caminho para conter cheias, procedimento é considerado complexo e tratado com cautela
As enchentes catastróficas do último ano levantaram uma série de discussões sobre o futuro do Rio Taquari e o que precisa ser feito para evitar a repetição do cenário. No centro dos debates entre entes públicos e privados, o processo de dragagem. Há certo consenso em uma parcela dos moradores dos municípios atingidos pela enchente de que esta é a solução.
Este ponto de vista está expresso tanto nas inúmeras manifestações nas redes sociais quanto em cartazes nos trevos e lojas de Encantado, Roca Sales e Muçum, por exemplo. E vão além. Em Arroio do Meio, no dia 20 de julho, houve uma passeata com cobranças à dragagem. O mesmo movimento está previsto para a Princesa das Pontes no próximo sábado, 27.
“Assoreamento assustador”
Conhecedor do Rio Taquari há décadas, o engenheiro civil Marcos Bastiani observa que as cheias atingiram sucessivos recordes nos últimos 30 anos, o que é incomum. Do ponto de vista da hidrologia, eventos de grandes proporções deviam ocorrer no intervalo de um século. “O rio é um órgão vivo. Arranca, rola cascalho, deposita sedimentos.
Em meio século, o assoreamento subiu assustadoramente. O fim da navegação pelo Taquari é maior prova disso. Por isso, a necessidade de dragagem, a ser feita o mais breve possível, fica ainda mais evidente”, explica Bastiani. Ao mesmo tempo, alerta que o procedimento não evita as enchentes, que são normais, mas os picos catastróficos.
Concessão de trechos
Bastiani defende a parceria público-privada para encontrar o meio-termo. Uma das alternativas seria a concessão de trechos do rio, o que inclui a contenção de encostas e recuperação da mata ciliar. “Não temos a intenção de liquidar com o manancial e o seu entorno e nem queremos inventar a roda. Muito pelo contrário. Nós temos uma vida aqui, mas o Rio Taquari, que foi vida no Vale, se tornou um problema e cabe à nossa geração resolvê-lo”, afirma.
O profissional destaca que o material dragado, se bem empregado, poderia se tornar um case de negócio para toda a região. Por exemplo: com um metro cúbico de cascalho, é possível transformar em material de construção, o que por si só já tem um valor econômico.
Ainda, o engenheiro enfatiza que a região é carente de equipamentos meteorológicos para garantir uma análise mais apurada sobre as chuvas. Logo, torna-se inadmissível ter a informação do desastre quando ele está prestes a acontecer. Bastiani também criticou o marasmo do setor ambiental do Governo do Estado. Segundo ele, em 2012 o Comitê de Gerenciamento da Bacia Taquari-Antas diagnosticou a necessidade de uma lei para tratar do tema. Contudo, o assunto ficou na gaveta por mais de uma década.
“Ninguém está querendo impor decisões, mas a engenharia está aí para isso mesmo, para atender, entender como fazer, sugerir e estar junto na implementação dessas medidas. Eu considero primordial, sob pena da situação do nosso Vale. Começar agora para que os frutos sejam colhidos ao longo das próximas décadas”, conclui.
Na visão do prefeito de Roca Sales, Amilton Fontana, a limpeza do Rio Taquari se faz urgente por conta dos alagamentos repentinos, seja por conta de destruição das margens, o que potencializou o assoreamento. “Em junho, mesmo com uma chuva bem menos intensa que a de maio, já houve uma cheia de média proporção. Isso não acontecia antes. Logo, algo precisa ser feito para não sermos sempre reféns do clima”, justifica Fontana.
Estudos aprofundados
Embora haja uma cobrança popular pela celeridade no processo, especialistas chamam a atenção para a importância de um estudo detalhado. Conforme nota técnica divulgada pelo Instituto de Pesquisas Hidrológicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a necessidade deve ser comprovada por meio de medições ao longo do leito, principalmente devido à extensão do Rio Taquari. Logo, a equipe composta por 12 pesquisadores alerta que não há garantia de efetividade
Outro ponto a ser considerado é o fator oneroso do serviço, dado o custo milionário. Desta forma, deve ser otimizado, com a seleção de trechos específicos que terão maior contribuição à finalidade. Ainda, o documento alerta para a periódica e natural mudança do leito, o que, em alguns casos, pode levar ao assoreamento de locais dragados em um curto intervalo de tempo.
Embora a dragagem seja um caminho ventilado, ações paliativas devem ser consideradas pelos gestores. Para o promotor de Justiça, Sérgio Diefenbach, é importante que cada município realize obra para desassorear arroios e pequenos córregos, a fim de minimizar os efeitos de futuros eventos climáticos. Esse apontamento foi feito durante reunião entre gestores e o senador licenciado Luis Carlos Heinze (PP), há algumas semanas no Centro Administrativo Adroaldo Conzatti, em Encantado.
Por outro lado, tais obras precisam ser feitas com atenção e responsabilidade. “São 10 cidades banhadas pelo Rio Taquari aqui no Vale. Portanto, o ideal, neste contexto, seria a criação de um consórcio entre as cidades, para que todos estivessem cientes das intervenções previstas e os possíveis reflexos no manancial”, argumenta Diefenbach.
Projetos
O tema não se limita ao âmbito regional. Ao menos, dois projetos relacionados foram apresentados nas últimas semanas. Durante o 42º Congresso de Municípios do Rio Grande do Sul, realizado pela Famurs nos dias 16 e 17, a secretária estadual de Meio Ambiente, Marjorie Kaufmann, apresentou o projeto de lei da Arborização, que visa regulamentar o plantio de árvores nas áreas urbanas e o manejo da vegetação.
Encaminhado à Assembleia Legislativa, o texto, conforme Marjorie, determina que os municípios, especialmente acima de 20 mil habitantes, estabeleçam ou atualizem diretrizes voltadas ao “conforto ambiental” e políticas de desenvolvimento sustentável. Os planos deverão ser elaborados e colocados em prática em até cinco anos.
Em paralelo, o deputado federal Giovani Cherini (PL-RS) apresentou, no último dia 15, o Programa Nacional de Estímulo à Limpeza e Desassoreamento dos Corpos Hídricos Superficiais de Dominialidade da União. O projeto está em tramitação no Congresso e prevê, entre outros pontos, o acesso dos municípios a linhas de crédito, convênio e licenciamento federal por cadastro para reduzir os danos causados pelas inundações.
Como funciona uma dragagem
O processo consiste, portanto, na remoção de sedimentos de cursos d’água, como leito de rios, lagos ou canais. Para isso, algumas etapas são indispensáveis. São elas:
Batimetria: Fornece dados sobre a profundidade dos rios e mapeia a área, por meio de um sistema denominado Ecossonda.
Definição: Após a coleta das informações, deve ser elaborado um projeto que inclui a profundidade do rio, a extensão da área de trabalho e o tipo de sedimento a ser dragado, Ainda, é preciso destinar um local seguro para tratamento e descarte do material recolhido.
Execução: É recomendável que a equipe técnica seja composta por engenheiros químicos, civis e ambientais, bem como oceanógrafos (no caso de ação no mar) e geotécnicos, a fim de minimizar os riscos da operação. Entre os equipamentos utilizados estão as dragas de sucção e em arrasto – respectivamente responsáveis pelo transporte, descarga, sucção e escavação) e guindaste com caçambas hidráulicas.
Finalização: Concluída a obra, a Batimetria pode ser refeita na etapa final. Neste caso, os dados deverão oferecer um comparativo de informações entre o antes e o depois da dragagem, a fim de atestar as mudanças realizadas ao longo da obra.
Investimento
O Governo Federal anunciou o investimento de R$ 18 milhões para a análise da real situação dos Rios Taquari e Jacuí, o Lago Guaíba, a Laguna dos Patos e o Canal de São Gonçalo, no Sul do Estado. Conforme o diretor de Infraestrutura Aquaviária do Departamento Nacional de Infraeestrutura de Transportes (DNIT), Erick Moura de Medeiros, a medida visa encontrar identificar a rota do assoreamento. Os contratos para a realização dos trabalhos foram assinados no último dia 15.